terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O meu último Encontro do Ano


Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

por José Luís Peixoto

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Para ler todos os dias antes de deitar



Hoje dei-te o meu dia, na esplanada afrontando o olhar dos outros por motivos tão escassos. É a primeira oportunidade para uma nova estação, a natureza conspira no cimento à nossa volta. Mas eu acredito que toda a mudança venha apenas pelo fim de qualquer coisa e tu estás imóvel nessa cadeira, parece que nunca tiveste um princípio.


Onde estão agora as tuas razões, o que fizestecom a tua juventude? Não esperes que os pássaros te castiguem por perderes o dia e sufocares de noite. Eu não te posso salvar da tua angústia, baralhei os sinais por baixo de cada nome e escolhi as ruas à sorte. E tu não me podes obrigar a pensar de outra maneira, pobre de ti com as mãos encolhidas sobre o tampo da mesa. Nos dias de sol a tua sombra seria cruel para mim. E como eu te mentiria.


Rui Pires Cabral


(para me lembrar do que sou e do que tenho, ainda, muito a mudar)

Mais que um Amor no Mundo


(...)

Mas guardo tudo que eu vivi
Porque não perdi
Ouço uma voz ao fundo
Que me jura existir
Mais que um amor no Mundo.



Donna Maria.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Catedral



O deserto que atravessei
Ninguém me viu passar
Estranha e só
Nem pude ver
Que o céu é maior
Tentei dizer
Mas vi você
Tão longe de chegar
Mais perto de algum lugar


É deserto onde eu te encontrei
Você me viu passar
Correndo só
Nem pude ver
Que o tempo é maior
Olhei pra mim
Me vi assim
Tão perto de chegar
Onde você não está

No silêncio uma catedral
Um templo em mim
Onde eu possa ser imortal
Mas vai existir
Eu sei vai ter que existir
Vai resistir nosso lugar

Solidão
Quem pode evitar
Te encontro enfim
Meu coração
É secular
Sonha e desagua dentro de mim
Amanhã devagar
Me diz como voltar

Se eu disser
Que foi por amor
Não vou mentir pra mim
Se eu disser
Deixa pra depois
Não foi sempre assim
Tentei dizer
Mas vi você
Tão longe de chegar
Mais perto de algum lugar.


Zelia Duncan

Alice



Não conseguia escrever. Aquilo acontecia de vez em quando. Mas nunca durante tanto tempo. Sentia-se perdida, com medo. Sentia falta das suas histórias, de criar coisas que não existiam antes, de escrever durante a noite e ouvir os pássaros ao amanhecer, e depois dormir um pouco e levantar-se para fazer café.

(…)

Mas agora não conseguia escrever. E os dias e as noites eram muito longos, quase intermináveis.


Ana Teresa Pereira


quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Drunken Heart



O que eu escrevia cabia em uma página

E os dias duravam frases

O que é sensível já não cabe em letra

Eu sinto e só

Um egoísmo de dar inveja


E eu não quero contar nada pra ninguém.


domingo, 7 de setembro de 2008

Mais Pedro Paixão



Nunca se sabe o que é para sempre, sobretudo nas coisas do amor. E era uma coisa do amor, isto tudo. São tão estranhas as coisas do amor que não se compreendem por inteiro. Tem de se estar sempre a fazer suposições. Nunca se sabe como e até que ponto a até quando. Esta obsessão chega para impedir a vida, o amor pode impedir o amor, amaldiçoá-lo como um espectro.


Nos teus braços morreríamos

Aquilo a que assisto é real e não é possível.


PortoKioto

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Nenhum Olhar II


Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.


José Luís Peixoto

Nenhum Olhar

Pela primeira vez, gritaremos o nome um do outro. Já reparaste?, nunca precisámos de nos chamar. Não sei como é o meu nome na tua voz. Na tua voz, irmão, irmão. Não sei como é o teu nome na minha voz.
(...)
Hoje a solidão. Desapareceremos um do outro, deixaremos de ser nós para sermos só tu e só eu. Mas não esqueceremos. E lembrarmo-nos será o maior sofrimento, recordarmos o que fomos onde estivermos e não podermos ser mais nada nesse dia. (...) Hoje deixar-te-ei, sabendo que sempre tive amor por sempre teres estado comigo. E não tenho mais vergonha dessa palavra que nunca dissemor: amor: essa palavra: amor: que nunca chegámos a dizer e que hoje preciso de dizer. Sincero, verdadeiro, irmão. Irei sentir a tua falta. Sem o poder explicar a ninguém por não existir ninguém ao meu lado, irei sentir a tua falta. E, por mais negra que seja a planície por onde vaguearei a eternidade, será sempre a recordação dolorosa de um sol- pôr, será sempre a mágoa de só te poder lembrar.
(...) e dói-me seres frio, dói-me a tua pele ser mais macia, dói-me as pessoas passarem a olhar-te e seres morto: o teu olhar nunca mais; o teu sorriso nunca mais; tu a ouvires-me nunca mais; tu a existires e a presenciares o que fui e fomos, nunca mais. Irmão. (...) Todo eu me cansei. Todo o meu cansaço colidiu com o meu cansaço, e todo eu sou isso. A noite onde morreste anoiteceu no que sou.
José Luís Peixoto

quinta-feira, 24 de julho de 2008

William Faulkner


Desejo não que sejas capaz de te lembrar do tempo, mas sim que te seja possível esquecê-lo de vez em quando durante um momento e que não desperdices o teu fôlego tentando conquistá-lo.


prefácio do livro Ao Anoitecer, de Susan Minot
(um dos próximos a comprar, sem dúvida)


segunda-feira, 23 de junho de 2008

Eu não sei Dizer


O silêncio deixa-me ileso, e que importância tem?
Se assim tu vês em mim alguém melhor que alguém.
Sei que minto pois o que sinto nao é diferente de ti.
Não cedo. Este segredo é frágil e é só meu.

Eu não sei tanto sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas que fazem chorar.

Quem te disse coisas tristes não era igual a mim.
Sim, eu sei que choro, mas eu posso querer diferente para ti.

Eu não sei tanto sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas que fazem chorar.

E não me perguntes nada, que eu não sei dizer.


Silence Four

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Edvard e a Dor



Um túnel onde Edvard entra. Do outro lado sai como que a saber cantar. Mas não. Ele não canta: simplesmente grita de uma forma melódica. Como domina musicalmente a dor julgam que Edvard não está a sofrer, mas está.

De que se queixa esse homem que parece cantar? Não sabemos.

O que sabemos é que, produzidas artificialmente, as palavras acalmam aquilo que é claro não pertencer à cultura; falamos da dor. A dor não é cultural; a dor não é uma coisa produzida pelo Homem, já existia antes e existe sem ele. Mas com ele, claro, com o Homem, foram introduzidas múltiplas variantes. O Homem produz dor como produz instrumentos técnicos: em quantidade e adaptada às circunstâncias. Repare-se que há quase tantos instrumentos para consertar uma máquina avariada como para provocar dor. Os instrumentos de tortura são, a cada dia, aperfeiçoados.

Mas Edvard não quer saber do Homem em geral. Está preocupado, sim, consigo próprio, como todos estão, desde o nascimento.

No fundo, aqueles que nos recebem no mundo, sabia Edvard, apenas nos preparam para o egoísmo, fortalecendo-o.

Aprende com o corpo e com as ideias a defender-te e estarás pronto para entrar no Reino dos Homens.

Pois era assim que Edvard pensava.

E a sua grande qualidade era esta: gritava a sua dor de tal forma que parecia cantar.



Gonçalo M. Tavares

domingo, 8 de junho de 2008

A confissão de Lúcio


Assim sucede com efeito. Referimos certos acontecimentos da nossa vida e outros mais fundamentais - e muitas vezes, em torno de um beijo, circula todo um mundo, toda uma humanidade. (...)

(...) Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo - aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são sempre as mesmas. (...) Por exemplo: uma coisa onde nunca me vi, foi na vida. (...)

(...) « Porque afinal essa sua vida - "a vida de todos os dias" - é a única que eu amo. Simplesmente não a posso existir... E orgulho-me tanto de não a poder viver .... orgulho-me tanto de não ser feliz ... Cá estamos : a maldita literatura...


Mário de Sá - Carneiro




Paixão


"(...)Chama paixão uma acção que destrói alguma personagem, ou que causa violentas dores, como são as mortes evidentes e certas, os tormentos, as feridas, e todas as outras cousas semelhantes. (...)"

in Dissertação primeira sobre o carácter da Tragédia, por Correia Garção


sábado, 10 de maio de 2008

Com Certeza


Talvez um dia eu seja quem sou sem ser.
Talvez um dia eu te conheça por conhecer. E tu a mim.
Talvez eu descubra um pôr- do- sol diferente do real.
(...) Talvez as feridas que eu fiz nos joelhos quando era mais pequena, só um pouco mais, voltem a sangrar.
(...) Talvez alguém me diga o que falar quer dizer e eu não queira nem ouvir dizer,
(...) Talvez as coisas sejam o que são e não aquilo que gostaríamos que fossem. Temendo. Negando. Recusando.
(...) Talvez ter um sinal do lado direito do peito seja o mesmo que pedir uma prova de amor diferente.

(...)


Ana Mendes (com millhares de expressões de boquiaberta), in Adeus, até Breve

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Sleeping With Butterflies



airplanes take you away again
are you flying above where we live
then i look up, a glare in my eyes
are you having regrets about last night

i'm not, but i like rivers that
rush in so then i dove in
is there trouble ahead for you, the acrobat
i won't push you, unless you have a net

you say the word you know i will find you
or if you need some time i don't mind
i don't hold onto the tail of your kite
i'm not like the girls that you've known
but i believe i'm worth coming home to
kiss away night
this girl only sleeps with butterflies
with butterflies
so go on and fly then, boy

balloons look good from on the ground
i fear with pins and needles around
we may fall then stumble upon a carousel
it could take us anywhere

you say the word you know i will find you
or if you need some time i don't mind
i don't hold onto the tail of your kite
i'm not like the girls that you've known
but i believe i'm worth coming home to
kiss her, waiting by this girl
this girl

you say the word you know i will find you
or if you need some time i don't mind
i don't hold onto the tail of your kite
i'm not like the girls that you've known
but i believe i'm worth coming home to
kiss away night
this girl only sleeps with butterflies
with butterflies
with butterflies

so go on and fly boy


Tori Amos

segunda-feira, 21 de abril de 2008

presença

Cerro os braços e sinto-os contra mim ...
Se sonha que
Para a minha alma cansada,
Triste, talvez volte também,
um dia, a Primavera ...


(...)


Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.


Álvaro de Campos


in presença, nº 48, 1936

Muito Barulho para Nada

"Tu e eu somos demasiado sábios para podermos amar-nos em paz".


Cena II, Acto IV, por Shakespeare

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Gaivota




"Nina - O que está a escrever?



Trigorin - São só uns apontamentos ... Ocorreu-me agora mesmo um tema... (Mete o bloco de notas na algibeira) Um tema para um conto. Uma rapariga que passou a vida à beira de um lago. Assim, como você. Essa rapariga ama o lago, como uma gaivota, e é feliz e livre como uma gaivota. Um homem passa, olha para ela, e como não tem mais nada que fazer, destrói-a - como aquela gaivota ali. (Pausa)



(...)



Trigorin - (Folheando um livro) Página 121, linhas 11 e 12. Está aqui mesmo. (Lê) " Se alguma vez dela precisares, toma a minha vida."



(...)



por Tchekov

sexta-feira, 28 de março de 2008

No time to waste


I've got time to think about
The things you think about when
You've got time to spare
Wonder why we're here

I wonder when or where it might go wrong
I wonder why I went along with you
Why I forgot to think
Forgot to think it through now

I wonder why I
I wonder why


You go on pushing yourself
You keep on fooling yourself
You don't know why, you don't know
You don't know how you just don't know
You keep on,
I keep on fooling myself

There's a time and place for everything
A time to act, a time to dream
There's time to wait
But no time to waste

I wonder why I
I wonder why


Anouk

Auschwitz



"Amanhã fico triste,
Amanhã.
Hoje não.
Hoje fico alegre.
E todos os dias,por mais amargos que sejam,
Eu digo:
Amanhã fico triste,
Hoje não."


Autor anónimo.(poema encontrado na parede de um dos dormitórios de crianças do campo de exterminio de Auschwitz)

quinta-feira, 13 de março de 2008

A Cena do Ódio


(...)

Eu invejo-te a ti, ó coisa que não tens olhos de ver!
Eu queria como tu sentir a beleza de um almoço
pontual
e a f'licidade de um jantar cedinho
co'as bestas da família.

Eu queria gostar das revistas e das coisas que não
prestam
porque são muitas mais que as boas
e enche-se o tempo mais!
Eu queria, como tu, sentir o bem-estar
que te dá a bestialidade!
Eu queria, como tu, viver enganado da vida e da mulher,
e sem o prazer de seres inteligente pessoalmente!
Eu queria, como tu, não saber que os outros não
valem nada
p'ra os poder admirar como tu!
Eu queria que a vida fosse tão divinal
como tu a supões, como tu a vives!
Eu invejo-te, ó pedaço de cortiça a boiar à tona d'água,
à mercê dos ventos,
sem nunca saber que fundo que é o Mar!


Olha para ti!
Se te não vês, concentra-te, procura-te!
Encontrarás primeiro o alfinete
que espetaste na dobra do casaco,
e depois não percas o sítio,
porque estás decerto ao pé do alfinete.
Espeta-te nele para não te perderes de novo,
e agora observa-te!


(...)


Almada Negreiros

sexta-feira, 7 de março de 2008

I didn't mean you



I didn't mean you.

Spent my whole life telling everyone to leave me alone - Don't touch!, don't look too close!, but I didn't mean you.

And now you've gone, because you saw the forbidden sign above my head and you didn't know, I didn't mean you.

You went to an open door, instead of knocking harder at mine. I would have let you in, but you didn't know I didn't mean you.

You didn't see that I cleared the path and left the walkway free for I told myself that I'll only be tread on by you.

But now I look with love upon someone and no one else matters but him, but still, you fool, You think I didn't mean you.


Emilie Autumn

quinta-feira, 6 de março de 2008

O amor é fodido


O fim não tem tempo.

É fácil morrer quando está tudo acabado.

E deixar de ver as árvores.

E deixar de tocar os muros.

Quando os há.

O fim não tem pressa.

Nem significado.

Se ao menos fosse uma surpresa.

Ou um alívio.

Ou uma inevitabilidade.

Poderíamos rir.

Poderíamos concluir.

Poderíamos conversar.


Mas o fim não tem carácter.

Só há uma maneira de dizer isto.

Só damos por ele quando já é tarde.


Miguel Esteves Cardoso

domingo, 2 de março de 2008

Noite Demais



É noite demais para ti

há tempo demais para mim

Se as flores não mudam de cor

vais ter que as deixar viver

Em terra que é feita de nós

toda a chuva daninha é de pó

Toda a erva que tentas forçar
vai sempre acabar por morrer



É noite demais para ti
Há tempo demais para mim.

Todo o tempo que entornas em nós

é fuga por fora da dor

Todo o tempo que entornas em nós
é ferida que mata o amor
Se entornas mais tempo em nós
a ferida não vai sarar
a ferida não vai sarar

É noite demais para ti

há tempo demais para mim.

se és tu quem não vai ceder
só me resta insistir
se és tu quem não vai ceder
só me resta largar
e nem quero pensar
que tu possas viver
sem vontade de amar
sem vontade de ver...


que é noite demais para ti
há tempo demais para mim.


O meu mundo vai ruir só por te ver
Vais entrar na porta errada
e o meu mundo vai ruir
Vais tentar encontrar
outro campo com luz
para que possas plantar
E a semente crescer
Para que possam nascer
cordas fortes no chão
das que saibam manter
o teu corpo longe do meu.



Tiago Bettencourt

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Miguel Torga



Paz nas montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração, a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
.
.
A súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Respirar é isto.


Por que as pessoas escrevem? Já me fiz tantas vezes esta pergunta que hoje posso respondê-la com a maior facilidade. Elas escrevem para criar um mundo no qual possam viver. Nunca consegui viver nos mundos que me foram oferecidos: o dos meus pais, o mundo da guerra, o da política. Tive de criar o meu, como se cria um determinado clima, um país, uma atmosfera onde eu pudesse respirar, dominar e me recriar a cada vez que a vida me destruísse. Esta é a razão de toda obra de arte.Só o artista sabe que o mundo é uma criação subjectiva, que é preciso escolher, seleccionar. A obra é a concretização, a encarnação do seu mundo interior. Ele espera impor a sua visão pessoal, partilhá-la com os outros. Se não atinge esta última finalidade, o verdadeiro artista persiste assim mesmo. Os poucos momentos de comunhão com o mundo valem esse sofrimento, pois finalmente esse mundo foi criado para os outros como um legado, como um dom destinado a eles.
Também escrevemos para aprofundar o nosso conhecimento de vida. Para atrair, encantar e consolar. Escrevemos para acalentar os nossos amantes. Para degustar em dobro a vida: no momento preciso e retrospectivamente, na sua lembrança. Escrevemos, como Proust, para tornar as coisas eternas e para nos convencermos de que elas o são. Para podermos transcender a nossa vida e alcançarmos o que existe para além dela. Escrevemos para aprender a falar com os outros, para testemunhar a nossa viagem ao labirinto. Para abrir, expandir o nosso mundo quando nos sentimos sufocados, oprimidos ou abandonados. Escrevemos como os pássaros cantam, como os primitivos dançam os seus rituais. Se você não respira quando escreve, não grita, não canta, então não escreva porque a sua literatura será inútil. Quando não escrevo, o meu universo se reduz; sinto-me numa prisão. Perco a minha chama, as minhas cores. Escrever deve ser uma necessidade, como o mar precisa das tempestades - é a isto que eu chamo de respirar.


- Anais Nin -

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Estranho Amor


Tenho um coração novo.



Vou limpar-lhe os salpicos de tinta, precisa de arejar por causa do cheiro. Sei que isto é coisa de se fazer com o tempo mais quente e com os dias maiores, mas a humidade não me assusta. Está com mais luz e até parece maior.

É incrível a quantidade de coisas que tinha aqui guardadas.



in www.estranhoamor.blogspot.com

Por hoje é só


Há dias em que dói tanto crescer.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

(Eu)génio de Andrade




Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?)
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.
Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
como se pode morrer?


Eugénio de Andrade

Notas para o diário


Deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,vivos e limpos.

A dor de todas as ruas vazias.

Sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada destes ilêncio. E na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.

Sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.

A dor de todas as ruas vazias.

Mas gosto da noite e do riso de cinzas. Gosto do deserto e do acaso da vida. Gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.

Pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

A dor de todas as ruas vazias.

Pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a Lisboa na fragata do alfeite. Basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

É isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro.

A dor de todas as ruas vazias.

Sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. O filme acabou. Não nos conheceremos nunca.

A dor de todas as ruas vazias.

Os poemas adormeceram no desassossego da idade. Fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. E, por vezes, ouço-os no transe da noite. Assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo.

O regresso à escrita terminou. A vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

A dor de todas as ruas vazias.



Al Berto

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Demasiado bonita


Eu sei que tu és demasiado bonita para mim,
mas um dia eu não vou ter medo de te dizer para
vires viver comigo para um sitio qualquer de onde se veja o mar
e ter longas conversas sobre a luz de pernas entrelaçadas

Eu faço a minha arte e tu fazes a tua
fazemos as nossas artes e eu tiro o cabelo dos teus olhos
Faço a minha arte e tu fazes a tua.

Vais ficar a saber também
que quando não estás a olhar para mim eu desapareço.
E que quando não chove estou a pensar em ti;
que todas as tuas ausências são o meu pesadelo
e a minha vontade de agarrar-me aos teus pes descalços.

Eu faço a minha arte e tu fazes a tua
fazemos as nossas artes e eu tiro o cabelo dos teus olhos
Faço a minha arte e tu fazes a tua.
Não vou querer mais saber do teu amor hoje
Acho q ja passaram muitas noites e tu
Não me mostraste aquilo q eu queria ver
te vir

Eu hoje vou pintar os meus lábios de preto baço,
o vidro dos meus olhos
e as cores que se juntaram para partir.

Oioai

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Ainda que mal


Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Friedrich

No meu pior pesadelo, a alma é só uma superfície plana onde tudo
está parado, pelo que ninguém
pode dizer o que nela vai.
Miguel Esteves Cardoso, in "O amor é fodido"

domingo, 13 de janeiro de 2008

New Soul

I'm a new soul
I can do this strange world hoping I could learn a bit about how to give and take.
But since I came here felt the joy and the fear finding myself making every possible mistake
.
I'm a young soul
in this very strange world hoping I could learn a bit about what is true and faith.
But why don't please trying to comunnicate finding just in love is not always easy to make.
.
This is a happy end cause' you don't understand everything you have done wise everything so wrong
This is a happy end come and give me your hand I'll take your far away.

Yael Naim