segunda-feira, 23 de junho de 2008

Eu não sei Dizer


O silêncio deixa-me ileso, e que importância tem?
Se assim tu vês em mim alguém melhor que alguém.
Sei que minto pois o que sinto nao é diferente de ti.
Não cedo. Este segredo é frágil e é só meu.

Eu não sei tanto sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas que fazem chorar.

Quem te disse coisas tristes não era igual a mim.
Sim, eu sei que choro, mas eu posso querer diferente para ti.

Eu não sei tanto sobre tanta coisa
Que às vezes tenho medo
De dizer aquelas coisas que fazem chorar.

E não me perguntes nada, que eu não sei dizer.


Silence Four

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Edvard e a Dor



Um túnel onde Edvard entra. Do outro lado sai como que a saber cantar. Mas não. Ele não canta: simplesmente grita de uma forma melódica. Como domina musicalmente a dor julgam que Edvard não está a sofrer, mas está.

De que se queixa esse homem que parece cantar? Não sabemos.

O que sabemos é que, produzidas artificialmente, as palavras acalmam aquilo que é claro não pertencer à cultura; falamos da dor. A dor não é cultural; a dor não é uma coisa produzida pelo Homem, já existia antes e existe sem ele. Mas com ele, claro, com o Homem, foram introduzidas múltiplas variantes. O Homem produz dor como produz instrumentos técnicos: em quantidade e adaptada às circunstâncias. Repare-se que há quase tantos instrumentos para consertar uma máquina avariada como para provocar dor. Os instrumentos de tortura são, a cada dia, aperfeiçoados.

Mas Edvard não quer saber do Homem em geral. Está preocupado, sim, consigo próprio, como todos estão, desde o nascimento.

No fundo, aqueles que nos recebem no mundo, sabia Edvard, apenas nos preparam para o egoísmo, fortalecendo-o.

Aprende com o corpo e com as ideias a defender-te e estarás pronto para entrar no Reino dos Homens.

Pois era assim que Edvard pensava.

E a sua grande qualidade era esta: gritava a sua dor de tal forma que parecia cantar.



Gonçalo M. Tavares

domingo, 8 de junho de 2008

A confissão de Lúcio


Assim sucede com efeito. Referimos certos acontecimentos da nossa vida e outros mais fundamentais - e muitas vezes, em torno de um beijo, circula todo um mundo, toda uma humanidade. (...)

(...) Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo - aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são sempre as mesmas. (...) Por exemplo: uma coisa onde nunca me vi, foi na vida. (...)

(...) « Porque afinal essa sua vida - "a vida de todos os dias" - é a única que eu amo. Simplesmente não a posso existir... E orgulho-me tanto de não a poder viver .... orgulho-me tanto de não ser feliz ... Cá estamos : a maldita literatura...


Mário de Sá - Carneiro




Paixão


"(...)Chama paixão uma acção que destrói alguma personagem, ou que causa violentas dores, como são as mortes evidentes e certas, os tormentos, as feridas, e todas as outras cousas semelhantes. (...)"

in Dissertação primeira sobre o carácter da Tragédia, por Correia Garção