quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Adormecido


No cenário da tua vida
aclamas noites alucinantes
de gentes estonteantes
que são tanto como tu

No teatro do teu olhar
há quem note que a coragem
não passa de uma miragem
com preguiça de gritar
No repetir do teu mostrar
inventas-te uma história
de que em ti não há memória
porque sabes que não é tua...


Houve alguém que te conheceu
Que te faz tremer ao passar
porque nunca a deixaste de amar...


Continuas a ensaiar
a conveniência do sorriso
o planear do improviso
que te faz sentir maior
no artifício dos teus gestos
pensas abraçar o mundo
quando nem por um segundo
te abraças a ti mesmo
e assim vais vivendo
e assim andando aí
e assim perdendo em ti
tudo aquilo que nunca foste...


(...)

Quando um dia acordares
numa noite sem mentira
e te vires onde não estás
vais querer voltar para trás


*Houve alguém que te conheceu
*Que te faz tremer ao passar
*porque nunca a deixas-te de amar...


Toranja, by Tiago Bettencourt

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Antídoto



" E se fizéssemos um livro e um disco como nunca se fez? E fizemos. As tardes passadas no local de ensaios, as noites de concertos, os dias no estúdio em Helsínquia. As primeiras versões do texto, papéis-riscados, o écran do computador. As tardes, as noites, os dias. Um só antídoto contra todos os venenos: o trabalho baseado na amizade e a vontade de dar aos outros o melhor de nós próprios. "




José Luís Peixoto

Elogio ao Amor




"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.


O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão alimesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.


Hoje em dia aspessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passívelde ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia serdesmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.


Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amorcego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, sãouma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?


O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nascostas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea porsopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amorfechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor éamor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como nãopode. Tanto faz. É uma questão de azar.


O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não sepercebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor éa nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.


O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amorque se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se podeceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."


Miguel Esteves Cardoso. Isto não poderia, nunca, cá faltar.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Marcos

"E eu que me queixava de não ter sapatos, encontrei alguém que não tinha pés."

Provérbio Àrabe

Magritte


Ele, sim, sabia-a toda.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Esfera




Por sinal, essa esfera que me tentava sem me olhar,
Nada mais era do que um som
Que me levava a tentar fugir de ti...sair de ti...
Uma vez mais, sem saber porquê,
Desisti p'ra te dizer:Não dá mais, quero mais
Se não for assim
Esconde esse sorriso que me faz querer matar por mais!

Mais, mais
Quero mais
Mais, mais
Por isso esconde esse sorriso que me faz querer matar por mais...

Só assim dá para mim conseguir que não doa mais,
Que me deixes ir,
Que me libertes de ti, que nao me faças sentir,
E eu não quero cair, não me posso entregar
Sem que percebas que não podes julgar,
E eu quero tentar, poder acreditar
Que o aperto cá dentro
Um dia vai acabar...

E o monstro em mim, nao irá sucumbir,
Não desfalece por não conseguir
Que olhes para mim, que me faças existir
Esconde esse sorriso que me faz querer matar por mais!
Mais, mais
Quero mais
Mais, mais
Por isso esconde esse sorriso que me faz querer matar por mais.

Pedro Khima

domingo, 12 de agosto de 2007

Pensar


"Quando estiveres cansado de olhar uma flor, uma criança, uma pedra, quando estiveres cansado ou distraído de ouvir um pássado explicar o ser, quando te não intrigar o existirem coisas e numa noite de céu limpo nenhuma estrela te dirigir a palavra, quando estiveres farto de saberes que existes e não souberes que existes, quando não reparares que nunca reparaste no azul do mar, quando estiveres farto de querer saber o que nunca saberás, se nunca o amanhecer amanheceu em ti ou já não amanhece, se nunca amaste a luz e só o que ela ilumina, se nunca nasceste por ti e não apenas pelos que te fizeram nascer, se nunca soubeste que existias com esse existir,
porque temes a morte, se já estás morto?"
Vergílio Ferreira