quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Miguel Torga



Paz nas montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração, a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
.
.
A súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Respirar é isto.


Por que as pessoas escrevem? Já me fiz tantas vezes esta pergunta que hoje posso respondê-la com a maior facilidade. Elas escrevem para criar um mundo no qual possam viver. Nunca consegui viver nos mundos que me foram oferecidos: o dos meus pais, o mundo da guerra, o da política. Tive de criar o meu, como se cria um determinado clima, um país, uma atmosfera onde eu pudesse respirar, dominar e me recriar a cada vez que a vida me destruísse. Esta é a razão de toda obra de arte.Só o artista sabe que o mundo é uma criação subjectiva, que é preciso escolher, seleccionar. A obra é a concretização, a encarnação do seu mundo interior. Ele espera impor a sua visão pessoal, partilhá-la com os outros. Se não atinge esta última finalidade, o verdadeiro artista persiste assim mesmo. Os poucos momentos de comunhão com o mundo valem esse sofrimento, pois finalmente esse mundo foi criado para os outros como um legado, como um dom destinado a eles.
Também escrevemos para aprofundar o nosso conhecimento de vida. Para atrair, encantar e consolar. Escrevemos para acalentar os nossos amantes. Para degustar em dobro a vida: no momento preciso e retrospectivamente, na sua lembrança. Escrevemos, como Proust, para tornar as coisas eternas e para nos convencermos de que elas o são. Para podermos transcender a nossa vida e alcançarmos o que existe para além dela. Escrevemos para aprender a falar com os outros, para testemunhar a nossa viagem ao labirinto. Para abrir, expandir o nosso mundo quando nos sentimos sufocados, oprimidos ou abandonados. Escrevemos como os pássaros cantam, como os primitivos dançam os seus rituais. Se você não respira quando escreve, não grita, não canta, então não escreva porque a sua literatura será inútil. Quando não escrevo, o meu universo se reduz; sinto-me numa prisão. Perco a minha chama, as minhas cores. Escrever deve ser uma necessidade, como o mar precisa das tempestades - é a isto que eu chamo de respirar.


- Anais Nin -

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Estranho Amor


Tenho um coração novo.



Vou limpar-lhe os salpicos de tinta, precisa de arejar por causa do cheiro. Sei que isto é coisa de se fazer com o tempo mais quente e com os dias maiores, mas a humidade não me assusta. Está com mais luz e até parece maior.

É incrível a quantidade de coisas que tinha aqui guardadas.



in www.estranhoamor.blogspot.com

Por hoje é só


Há dias em que dói tanto crescer.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

(Eu)génio de Andrade




Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?)
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.
Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
como se pode morrer?


Eugénio de Andrade

Notas para o diário


Deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,vivos e limpos.

A dor de todas as ruas vazias.

Sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada destes ilêncio. E na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.

Sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.

A dor de todas as ruas vazias.

Mas gosto da noite e do riso de cinzas. Gosto do deserto e do acaso da vida. Gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.

Pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

A dor de todas as ruas vazias.

Pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a Lisboa na fragata do alfeite. Basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

É isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro.

A dor de todas as ruas vazias.

Sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. O filme acabou. Não nos conheceremos nunca.

A dor de todas as ruas vazias.

Os poemas adormeceram no desassossego da idade. Fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. E, por vezes, ouço-os no transe da noite. Assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo.

O regresso à escrita terminou. A vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

A dor de todas as ruas vazias.



Al Berto

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Demasiado bonita


Eu sei que tu és demasiado bonita para mim,
mas um dia eu não vou ter medo de te dizer para
vires viver comigo para um sitio qualquer de onde se veja o mar
e ter longas conversas sobre a luz de pernas entrelaçadas

Eu faço a minha arte e tu fazes a tua
fazemos as nossas artes e eu tiro o cabelo dos teus olhos
Faço a minha arte e tu fazes a tua.

Vais ficar a saber também
que quando não estás a olhar para mim eu desapareço.
E que quando não chove estou a pensar em ti;
que todas as tuas ausências são o meu pesadelo
e a minha vontade de agarrar-me aos teus pes descalços.

Eu faço a minha arte e tu fazes a tua
fazemos as nossas artes e eu tiro o cabelo dos teus olhos
Faço a minha arte e tu fazes a tua.
Não vou querer mais saber do teu amor hoje
Acho q ja passaram muitas noites e tu
Não me mostraste aquilo q eu queria ver
te vir

Eu hoje vou pintar os meus lábios de preto baço,
o vidro dos meus olhos
e as cores que se juntaram para partir.

Oioai