terça-feira, 24 de julho de 2007

A Gente Vai Continuar



Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo


Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Jorge Palma

quarta-feira, 18 de julho de 2007

terça-feira, 17 de julho de 2007

Maria da Lua II


"baloiçar

O baloiço é das minhas mais queridas recordações de infância. Voava. Impulsionada pelo sonho. De olhos fechados. Porque o mundo era meu. Não precisava sequer que me empurrassem. Sozinha. Sonhava tudo. E balouçava. Sempre. Hoje. Na cadeira ou na rede. Ainda balouço. O mundo ainda é meu. Mas às vezes preciso que me empurrem."
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Há gente tão mágica no mundo da escrita...

Às vezes bastava um beijo, sabias?


"Escondo as lágrimas, passo a água pelo rosto, olho-me no espelho mal iluminado e penso que tenho de estar apresentável.
Não tenho tempo para chorar. Ou para ter pena de mim. Ou para sentir. É melhor mesmo nem sentir o que se passa cá dentro. O que mói e o que me esventra por dentro. Às vezes bastava um beijo, sabias?
Ajeito as calças e componho o blaser azul escuro. Com a escova, estico os cabelos com força, para matar os caracóis. Eliminar os vestígios de mim na mulher que se reflecte no espelho. Nunca se nasce outra vez. Eu queria nascer de novo. Para te tirar de dentro de mim.
Passo o batom nos lábios, em jeito de toque final. Estou pronta.
às vezes bastava um beijo, sabias?"

segunda-feira, 9 de julho de 2007


Nos teus braços morreríamos.




"Os amantes sabem porque morrem


Acordo com um ferro no coração. Qualquer movimento pode reabrir a ferida. O melhor é ficar quieto, aproveitar estes minutos, sentado na varanda com vidros que me isolam do mundo a olhar o areal imenso e o mar branco lá ao fundo. Nada mexe e eu não mexo. Se houvesse um sentido era este. (...)


Confissão


Escrever pode ser uma óptima desculpa para quem na vida não tem qualquer esperança. É uma maneira de preencher uma sombra e há momentos em que um beijo escrito vale por muitos.
É sempre a vida, é claro, mas com a distância limpíssima das palavras. E tudo sofre de uma insuficiência que a arte tenta reparar, e falha.
Eu espero que a esperança um dia venha e tudo isto não seja mais do que um exercício de gramática."


Pedro Paixão

segunda-feira, 2 de julho de 2007

A Casa do Incesto II


"(...) Olhávamos agora a dançarina que ocupava o centro da sala numa dança de mulher sem braços. Dançava como se fosse surda e não pudesse seguir o ritmo da música. Dançava como se não pudesse ouvir o som das castanholas. Dança isolada e separada da música, de nós, da sala, da vida. As castanholas soavam como passos de fantasmas.



Ela dançava, rindo e suspirando e respirando tudo a seu favor. Dançava os seus medos, parando no meio da cada dança para atender a críticas que não podia ouvir ou para se entregar ao aplauso que não tínhamos fetio. Ouvia música que não podíamos ouvir movida por alucinações que não tínhamos.




Os braços foram-me tirados, cantava. Fui punida por abraçar. Abracei. Prendi todos os que amei. Prendi nos momentos mais belos da minha vida. Fechei as mãos a plenitude de cada hora. Os braços apertados no desejo de abraçar. Quis abraçar a luz, o vento, o sol, a noite, o mundo inteiro e quis retê-los. Quis acariciar, curar, embalar, aclamar, envolver, cercar.


Forcei-os e prendi de tal modo que se partiram; partiram de mim. Tudo passou então a evitar-me. Estava condenada a não prender."



Anaïs Nin

A Casa do Incesto

"(...)Secaram as sementes no silêncio da rocha mineral. As palavras que não chegamos a gritar, as lágrimas retidas, as pragas que se engolem, a frase que se encurta, o amor que matamos, tudo isso transformado em minério magnético, em turmalina, em àgata, o sangue congelado em cinábrio, sangue calcinado tornado galena, oxidado, aluminizado, sulfatado, calcinado, o brilho mineral de meteoros mortos e sóis exaustos numa floresta de árvores secas e desejos mortos. (...)

(...)Lutou contra a chegada da morte: não amo ninguém; não amo ninguém, nem sequer o meu irmão. Não amo nada para além desta ausência de dor, neutra e fria ausência de dor.(...)

(...)E encontrou o irmão adormecido entre os quadros.

Adormeci entre os quadros, Jeanne, onde por muitos dias poderia sentar-me a adorar o teu retrato. Jeanne, eu apaixonei-me pelo teu retrato porque ele não iria nunca mudar. Jeanne, eu tenho medo de te ver envelhecer; eu apaixonei-me por um tu inalterável que nunca me poderá ser retirado. Desejei que morresses para que ninguém te pudesse tirar de mim e eu amaria o teu retrato, imagem que terás eternamente.(...)

Anaïs Nin