segunda-feira, 9 de junho de 2008

Edvard e a Dor



Um túnel onde Edvard entra. Do outro lado sai como que a saber cantar. Mas não. Ele não canta: simplesmente grita de uma forma melódica. Como domina musicalmente a dor julgam que Edvard não está a sofrer, mas está.

De que se queixa esse homem que parece cantar? Não sabemos.

O que sabemos é que, produzidas artificialmente, as palavras acalmam aquilo que é claro não pertencer à cultura; falamos da dor. A dor não é cultural; a dor não é uma coisa produzida pelo Homem, já existia antes e existe sem ele. Mas com ele, claro, com o Homem, foram introduzidas múltiplas variantes. O Homem produz dor como produz instrumentos técnicos: em quantidade e adaptada às circunstâncias. Repare-se que há quase tantos instrumentos para consertar uma máquina avariada como para provocar dor. Os instrumentos de tortura são, a cada dia, aperfeiçoados.

Mas Edvard não quer saber do Homem em geral. Está preocupado, sim, consigo próprio, como todos estão, desde o nascimento.

No fundo, aqueles que nos recebem no mundo, sabia Edvard, apenas nos preparam para o egoísmo, fortalecendo-o.

Aprende com o corpo e com as ideias a defender-te e estarás pronto para entrar no Reino dos Homens.

Pois era assim que Edvard pensava.

E a sua grande qualidade era esta: gritava a sua dor de tal forma que parecia cantar.



Gonçalo M. Tavares